16 junho, 2022

Resenha: Espíritos de Gelo - Raphael Draccon



Em "Espíritos de Gelo", conhecemos a história de um homem que ao acordar acorrentado em um cativeiro é interrogado por 3 capangas, na intenção de extrair a confissão do que lhe aconteceu para que fosse achado desacordado em uma banheira com gelo. Dentre eles, quem toma a frente nessa investigação é um baixinho com camiseta do Black Sabbath, que tenta arrancar a informação de como ele foi parar nessa situação por meio de torturas, já que o homem diz não se lembrar de como tudo aconteceu.

Antes de debater sobre alguns aspectos, vale lembrar que Espíritos de Gelo faz parte de uma coleção luso-brasileira que explora alguns mitos urbanos em histórias mais curtas (média de 160 páginas em formato de livro juvenil e letras maiores do que o normal). Tendo isso em vista, não se pode esperar personagens e ambientações tão bem desenvolvidas e aprofundadas. É preciso compreensão de que os assuntos abordados, inclusive os mais interessantes, sirvam apenas como condutores complementares que ligam a jornada a resolução de seu caso central. Entretanto, apenas isso não isenta o autor e sua obra de críticas.

O protagonista é um dos maiores defeitos. Por mais que a literatura não seja feita apenas de personagens corretos, o machismo, as imaturidades e preconceitos pontuais e a petulância frente a sua situação torna-o intragável em vários momentos, ainda que isso dependa dos olhos de cada leitor.

Mas é na escrita de Draccon que está o ponto mais problemático. Ao decorrer das páginas somos soterrados de referências da cultura contemporânea, em sua maiorias rasas, sendo que algumas até se repetem. Em determinado ponto da leitura temos a impressão que algo só será descrito se nela tiver a oportunidade de fazer menção a alguma música, filme ou personagem, na tentativa de cativar pela memória afetiva do leitor. O estranho é que, ao mesmo tempo que nosso personagem-narrador desdenha e se mostra completamente oposto a qualquer coisa "nerd", usa um vasto conhecimento sobre o assunto para essas referências, deixando, no mínimo, em dúvida se quem da a voz ativa da narração é seu protagonista ou o próprio autor. Contudo, quando o homem acorrentado e o torturador traçam um paralelo sobre o ocultismo entre a história contada e os simbolismos de bandas de rock, temos alguns dos diálogos mais interessantes.

O livro é dividido entre capítulos curtos que intercalam o presente/cativeiro, onde encontramos a maioria das críticas citadas, e as lembranças dos acontecimentos anteriores narradas pelo personagem principal conforme ele vai se lembrando, onde a história é mais fluída e interessante, principalmente a partir da inserção da personagem Mariana, onde nos surpreendemos com a mudança de rumo dos acontecimentos. Nesse ponto o mistério prometido na contracapa enfim se faz realmente presente e interessante, a ponto de me fazer parar a leitura para pesquisar um pouco mais a respeito sobre o tema abordado, antes mesmo da breve explicação dada páginas depois.

O final faz jus ao que foi construído do meio para o fim da tragetória. Dificilmente decepcionará ou surpreenderá, mas encerra bem o enredo que é crescentemente interessante e fluído, embora sofra com conturbados personagens e escrita.


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